quarta-feira, 8 de julho de 2009

Civilização

O SOCIÓLOGO sorveu com vigor, duas, três vezes, o fumo do cigarro e, enquanto, durante meio minuto, o soprava de volta, foi dizendo:
- Há quem sustente, ainda hoje, que o homem provém do macaco. É possível. Porque estamos vendo agora o contrário, isto é, o homem regredindo ao macaco. A civilização progride sempre, mas não se confunda civilização com cultura, e esta tenho a impressão que vai para trás com o rádio, a televisão e a bomba atômica.
E como eu o olhasse incrédulo:
- Olhe, eu sou de uma cidadezinha do interior de Minas, onde vivi até os dezessete anos. No meu tempo, existiam lá duas bandas de amadores. Cada uma com vinte e cinco músicos. A rivalidade entre as duas era grande. Por isso, havia que ensaiar muito para não ficar atrás no favor do público, que estimulava uma e outra. Ensaiava-se todos os dias. Mal acabava o jantar, a rapaziada corria para a sede da charanga, e com ela ia muita gente, que, assim, passava as noites inocentemente, ouvindo dobrados sadios ou valsinhas do tipo dessas que Mignone, Camargo, Gaurnieri e Gnatalli têm estilizado. Havia também, teatro, igualmente de amadores. Ensaiavam, ensaiavam, e de vez em quando davam o seu espetáculo, a que concorria toda a gente do lugar. Havia dois clubes de futebol, que, à semelhança das charangas, dividiam as preferências do povo.
Passei trinta anos sem rever a minha cidadezinha. A semana trasada, tendo que ir a Diamantina, aproveitei a ocasião e fui rever os meus pagos... Que decepção! Ainda não há lá arranha-céus, mas há uns prédios de dois ou três andares imitando os arranha-céus de mau estilo do Rio e de São Paulo. Soube que as duas bandas de música tinham desaparecido. Não se fazia mais teatro. O futebol decaíra. O culpado de tudo isso, explicou-me o vigário, foi a civilização: foi o rádio, produto e instrumento dela. Em cada casa da minha cidadezinha natal, mesmo a mais pobre, há um rádio. As moças do lugar deixaram de se interessar pelas charangas de antigamente: só querem saber dos cantores e cantoras da bossa nova das rádios comerciais; os velhos e velhas acompanham com paixão as novelas radiofônicas ou televisionadas.
- E a rapaziada? - perguntei.
- A rapaziada vai para o bar e fica torcendo... pelo Vasco ou pelo Flamengo!

Manuel Bandeira

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